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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Igreja Santa e Pecadora?

Essa afirmação decorre de um trecho da Constituição Apostólica Lumen Gentium que afirma que "a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação."(1)

Esse trecho da Lumen Gentium é motivo de grande controvérsia. Distorcido pelos modernistas que o interpretam de forma a justificar a dessacralização da Igreja e atacado pelos tradicionalistas que vêem aí um erro flagrante de doutrina, uma aparente contradição com o texto de Efésios 5, 26-27: " Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível."

Trata-se de compreender aqui que a afirmação não pode ser tratada fora do contexto da explanação do "ser Igreja" exposta em toda a Lumen Gentium. A afirmação converge com pontos doutrinais ressaltados por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Santo Agostinho afirma:
"A Igreja no seu conjunto afirma: Perdoai-nos os nossos pecados! Ela, portanto, tem manchas e rugas. Mas, mediante a confissão as rugas são removidas, mediante a confissão as manchas são lavadas. A Igreja está em oração para ser purificada pela confissão, e enquanto os homens viverem na terra isto será assim."(2)

E São Tomás de Aquino afirma a índole escatológica da afirmação de que a Igreja é sem mancha nem mácula: "Que a Igreja seja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o objectivo final para o qual tendemos em virtude da paixão de Cristo. Isto apenas existirá, no entanto, na pátria eterna, e não já na peregrinação; aqui […] enganar-nos-íamos se disséssemos não ter qualquer pecado."(3)

Não queremos afirmar aqui que também Santo Agostinho e São Tomás de Aquino incorreram em um erro doutrinal, nem tampouco afirmar que eles dessacralizam a Igreja. De fato, não se pode considerar as afirmações fora do contexto teológico e baseado em uma profunda exegese - basta observar bem que o texto da LG não utiliza o termo pecadora, mas se expressa de modo a ressaltar esse fenômeno de renovação contínua que explicita a ação sacramental na vida da Igreja.

Ora, temos mesmo que afirmar que a Igreja é Santa e imaculada. Mas é santa pela mediação de Cristo, que a purifica "com água e pela palavra". Essa purificação é feita continuamente através dos Sacramentos, em particular o sacramento da confissão. Um Documento importantíssimo para compreender essa realidade é o"Memória e Reconciliação: a Igreja e os erros do passado"

"Do ponto de vista teológico, o Vaticano II distingue entre a indefectível fidelidade da Igreja e as fraquezas dos seus membros, clérigos ou leigos, ontem como hoje (GS 43 §6), e, portanto, entre ela, Esposa de Cristo "sem mancha nem ruga […] santa e imaculada" (cf. Ef 5,27), e os seus filhos, pecadores redimidos, chamados à permanente metanoia, à renovação no Espírito Santo. "A Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação" (LG 8)"(4)

Eu sei que minha resposta está incompleta, mas acredito que a leitura da Lumen Gentium tanto como a carta da Comissão Teológica Internacional irão ajudar a aclarar os fatos.

(1) - Const. Dogmática Lumen Gentium c.1, 8.
(2) - Sermo 181,5,7: PL 38, 982
(3) - Summa Theologica III q.8 a.3 ad 2.
(4) - Comissão Teológica Internacional - Memória e Reconciliação: A Igreja e as culpas do passado. 1: 1.2.
da Comissão Teológica Internacional. Recomendo que o texto seja lido em sua íntegra, assim como da mesma forma seja lida e compreendida a Lumen Gentium.

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