Uma antiga lenda da Ordem Dominicana conta que São Domingos de Gusmão, durante uma das suas primeiras aulas na famosa universidade de Sorbonne, em Paris, disse aos alunos:
- Compreender Deus é impossível.
- Como? Nós não estamos aqui para isso? – perguntaram surpreendidos os estudantes. Continuou São Domingos:
- Nós somos como aquelas formigas que, um belo dia, chegaram aos pés de uma altíssima montanha de açúcar. Naturalmente não tinham a menor idéia da altura da montanha. Assim, cada uma arrastou, com grande esforço, um grão de açúcar até o formigueiro. Depois disseram umas às outras: “Amanhã voltaremos e traremos todo o açúcar para cá”. Vamos procurar não ser como aquelas formigas. O pouquíssimo que podemos compreender de Deus não nos torne completamente cegos.
A primeira condição para aprender alguma coisa nova é admitir não conhecê-la. Isto significa nos dispormos, justamente, a aprender. Se pensarmos já conhecer tudo, correremos o perigo de não aprender mais nada na vida. O verdadeiro sábio é aquele que sabe não saber, como ensinava o velho filosofo Sócrates. Essa sabedoria faz de nós pessoas abertas, capazes de descobrir algo novo. Esta maneira de raciocinar vale para tudo: para a ciência, a profissão, a arte, e também para a religião. Sem a disponibilidade para conhecer o que ainda não sabemos, a vida se torna repetitiva, monótona: tudo fica sempre o mesmo, só o pouco – ou muito – que sabemos e nada mais. Nesse sentido, podemos dizer que toda a nossa vida é uma busca contínua.
Por isso, a primeira condição para aprender algo novo é reconhecer, com humildade, as nossas limitações no conhecimento e na experiência. Também quem ensina por profissão sabe muito bem que o seu ensinamento não pode limitar-se a uma simples transmissão de noções, que serão repetidas pelos alunos. O verdadeiro mestre deve sempre despertar a curiosidade dos alunos. Fica feliz quando eles se entusiasmam com a pesquisa e, mais satisfeito ainda, quando alguém vai além do que ele mesmo sabe. Sem o anseio de superar o que tinha aprendido, ninguém nunca teria “descoberto” nada novo e ainda estaríamos na idade da pedra ou pouco distantes daquelas épocas.
No evangelho deste domingo, Jesus cura um cego de nascença. Mas João quer nos conduzir muito mais longe: quer despertar em nós o desejo da luz, a abertura à fé. Assim encontramos vários contrastes: luz e treva, saber e não saber, crer e não crer. Com efeito, quem era cego, no final, enxerga, e quem pensava enxergar não entende mais nada. Quem não sabia acaba sabendo, e quem pensava saber não compreende mais. Quem não acreditava declara a sua fé em Jesus, e quem se orgulhava de ter intimidade com Deus e com a sua palavra fecha a sua mente e o seu coração. A culpa, por assim dizer, é toda de Jesus. Ele m esmo diz que veio a este mundo para exercer um julgamento, o que pode ser traduzido também como “colocar em discussão” as coisas: o que parece certo pode estar errado e o que era desconhecido pode resplandecer como verdade.
Judeus e fariseus não querem admitir a presença e a ação de Deus na pessoa de Jesus. Não conseguem enxergar o novo que está acontecendo e que está de baixo dos seus olhos. Ao contrário, o cego – que foi curado e que agora enxerga – não quer nem saber se aquele que o curou é um pecador ou não, o que vale é que agora ele enxerga. Isso nunca aconteceu antes. Ele dá uma lição de moral aos mestres da Lei: “Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada”. Portanto só pode ser um homem de Deus! Daí para a fé em Jesus, chamando-o de “Senhor”, o passo é curto. “Eu creio, Senhor” , conclui definitivamente o cego agora iluminado pela luz do dia e pela luz da fé. Mas os judeus insistem em desconfiar de Jesus.
Assim perdem a portunidade de acolhê-lo e tornar-se discípulos do verdadeiro Senhor!
Colocarmos em discussão a nossa fé ou as nossas convicções enraizadas, nesta Quaresma, não significa estarmos a caminho de um transtorno bipolar. Ao contrário, pode ser uma excelente oportunidade para esclarecermos em quem, afinal, acreditamos ou admitir que acolher a fé abre novos horizontes para a nossa vida. Em ambos os casos seremos iluminados por uma nova luz. Talvez estejamos acreditando somente em alguns aspectos de Jesus.
Podemos abrir os olhos e entendê-lo mais e melhor do que antes. Outros que se consideram incrédulos, finalmente poderão ser inundados pela luz da fé. A montanha de açúcar é alta demais para as formiguinhas que somos nós, mas vale a pena começar a esca lada. Cada dia um pouco mais na frente, sempre com humildade. Acreditar em Deus e nos deixar amar e envolver por Ele será cada vez mais doce.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
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