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quinta-feira, 25 de março de 2010

O sacerdote e a pastoral no mundo digital


O Papa Bento XVI escolheu como tema “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: as novas mídias ao serviço da Palavra”, para a celebração do 44º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que ocorrerá no dia 16 de maio de 2010. Com esse tema e com a mensagem para o dia, o Santo Padre exorta todos os padres, no Ano sacerdotal, a utilizarem as novas tecnologias para anunciar o Evangelho. Estamos diante de novos modos de comunicar, novas linguagens que devem ser colocadas a serviço do anúncio da Boa-Nova de Jesus Cristo, sentido de nossas vidas.

O que a mensagem não sugere

Por certo a mensagem não quis incentivar nosso lado consumista e ávido por novidades, principalmente no que diz respeito às novas tecnologias. Não sugeriu que levássemos laptops para os altares, menos ainda que rezássemos a Liturgia das Horas em palms ou e-books, ou ainda que usássemos o Datashow, o PowerPoint em nossas homilias, a não ser em casos especialíssimos, diante de um público específico. Na realidade, esses aparelhos não se coadunam com a sobriedade e a simplicidade da liturgia e, quando usados, parece que se introduz algo de artificial em nossas celebrações.

Com certeza, o Papa também deve ter pensado e dado como descontado que o serviço sonoro em nossas assembleias, se não é dos melhores, não pode deixar a desejar, de tal modo que permita uma boa comunicação entre o celebrante e toda a assembleia, permitindo que a Palavra de Deus seja proclamada e explicada adequadamente.

Os migrantes da máquina de escrever

Além disso, cremos que o Papa tenha pensado nos padres “migrantes”, que com dificuldade emigraram das antigas máquinas para o computador, e que frequentemente usam o computador como uma máquina de escrever, e com dificuldade conseguem enviar e receber um e-mail. Essa situação é compreensível, porque o mundo digital, ao mesmo tempo que fascina, também espanta. Hoje em qualquer produto que se adquira, desde um simples relógio digital, um telefone celular, sem contar os produtos de tecnologia mais sofisticada, vem com um manual de instruções nada animador. Aprende-se o mínimo indispensável e não se explora, sendo otimista, nem metade dos recursos oferecidos pelas novas tecnologias. O Papa, no ano passado, dirigindo-se aos jovens católicos no 43º Dia Mundial das Comunicações Sociais, além de exortá-los a testemunharem a própria fé na rede, reconheceu que eles pertencem à geração digital, e que eles se sentem à vontade no mundo digital, enquanto para nós adultos, “que tivemos de aprender a compreender e apreciar as oportunidades por esse mundo oferecidas à comunicação, muitas vezes tudo pareceestranho”.

Novas tecnologias

Aqui vemos a necessidade de explicar, ainda que brevemente, o que se entende por novas tecnologias. Para algumas pessoas, talvez o emprego dessa expressão seja óbvio, não necessitando de maiores esclarecimentos, porém, para muita gente, não está bem clara a revolução que aconteceu na Comunicação Social, a partir dos anos 90 e se prolongando no início do século XXI.

As novas tecnologias utilizam o código binário zero e um (0-1), que serve para representar os números decimais e todas as letras do alfabeto. Cada número tem uma representação de sete dígitos, de zero a um, bem como cada letra do alfabeto. O sistema binário foi usado por grandes computadores que inicialmente serviram à guerra; basta lembrar que os grandes computadores da IBM estavam a serviço, na Segunda Guerra Mundial, tanto das forças Aliadas quanto do Terceiro Reich. Essa tecnologia passou depois da guerra para a administração, e foi largamente usada pelos bancos. Outra descoberta importante foi o chip, que nada mais é que um circuito integrado feito de pequena placa de silício (material semicondutor), um minúsculo componente que armazena uma enormidade de informações, que permitiu a redução do tamanho dos computadores e abriu caminho para as novas tecnologias. A tecnologia digital passou da guerra para a administração, e dela para a Comunicação Social. A linguagem digital e os circuitos integrados possibilitaram uma verdadeira revolução na Comunicação Social. A partir de então, a fotografia, as produções cinematográficas, a música, os transmissores de rádio e televisão passaram a ser digitalizados. Como todos esses meios falam a mesma linguagem (linguagem digital), foi possível uma interação entre eles. O celular, além de atender e fazer ligações telefônicas, pode se transformar em aparelho receptor de rádio e de televisão, máquina fotográfica, numa tela de computador (desktop), e conectar-se à internet.

A Internet se constitui como uma rede internacional de comunicação realizada por computadores que proporcionam a transferência de dados para múltiplos usuários em todo o mundo. Qualquer pessoa pode ter acesso à Internet, basta para tanto ter um computador e estar conectado via modem a um telefone ou a um provedor de banda larga. A mobilidade celular e a Internet, com a comunicação de duas mãos (não só do emissor para o receptor – característica da comunicação massiva –, mas também do receptor para o emissor), criaram o espaço democrático na comunicação.

Nasce uma nova cultura

Assistimos ao nascimento de uma verdadeira revolução nos meios de comunicação social, um mundo novo é engendrado e o Papa o chamou de “continente digital”. É um mundo que cria uma nova cultura, que é a cultura da comunicação Essa cultura hoje é preexistente e precede qualquer conteúdo que se queira veicular. A Internet influi sobre o modo de pensar, e sobre os comportamentos, sejam eles pessoais ou coletivos. Pela internet, as pessoas se informam de maneira diferente, escrevem de modo diferente, trabalham com nova ferramenta, criam uma lógica também diferente, não mais a lógica do começo, meio e fim, mas uma lógica de associação de ideias e palavras-chave. Com a web as antigas categorias de espaço e de tempo foram transformadas. O “clic” daqui e dali leva a uma fragmentação no conhecimento e torna volátil o que está escrito, porque o escrito jamais é definitivo, pode sempre ser modificado e assim como aparece, pode desaparecer. Novas linguagens, novas abreviaturas, fotos, áudio e vídeo constituem nova gramática de uma linguagem sempre em evolução. A Internet é um instrumento e enquanto tal não é moral nem imoral. Tudo depende do uso que se faz desse instrumento. As redes digitais estreitam relacionamentos, criam fraternidade e solidariedade, promovem a paz, a justiça e os direitos humanos, compartilham o conhecimento que se torna um bem comum.

A mensagem papal

O grande desafio para a Igreja é evangelizar o “continente digital”, o que equivale a dizer que a Igreja deve estar presente de maneira qualificada na cultura da comunicação. Como estar presente na cultura da comunicação? Em primeiro lugar, conhecendo as características dessa nova cultura; em segundo, usando uma linguagem compreensível. Neste ponto, ocorrem normalmente dois problemas: a) a inteligência do povo é subestimada; b) a linguagem usada é uma linguagem hermética, supondo que todos conheçam a linguagem usada pela Igreja. Por fim, em terceiro lugar, assumindo a linguagem das mídias digitais. Um grande pecado da mídia da Igreja é a falta de profissionalismo e o uso inadequado da linguagem dos meios de comunicação social. Esse pecado já foi transferido para a internet, onde se veem poucos sites de qualidade e muitos que não passam de mera repetição dos boletins paroquiais e diocesanos, já de baixa qualidade. Muitos sites não respeitam a linguagem das novas tecnologias, são estáticos e desconhecem a interatividade. O Papa pede que os sacerdotes se empenhem em exercer seu ministério sacerdotal entrando decididamente no ciberespaço, lembra “que a fecundidade do ministério sacerdotal deriva primariamente de Cristo encontrado e escutado na oração, anunciado com a pregação e o testemunho de vida, conhecido, amado e celebrado nos sacramentos da Santíssima Eucaristia e da Reconciliação”. Fala de um exercício de “diaconia à cultura”, e que os presbíteros devem dar “uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo das redes”.

Cremos que o Papa, com suas palavras, quer encorajar os presbíteros a afrontar o desafio de evangelizar o mundo digital com o mundo digital. Não se trata de um apelo para que todos os padres tenham um blog, trata-se sim de um apelo para que os presbíteros se circundem de leigos competentes para a implantação dos sites paroquiais e que também acompanhem de perto os leigos que estão se lançando ou já se lançaram na evangelização via internet. Se não se chega a evangelizar a rede, que pelo menos se evangelize com a rede.

Não podemos esquecer que a missa, como liturgia-sacramento e a homilia, por estar inserida nesse contexto do mistério eucarístico, não permite ao presbítero ensinar muita coisa sobre teologia e moral. Sabemos que o ensino religioso não vai muito além da catequese para crianças. Existe uma legião de leigos e leigas que pouco ou nada entendem, por exemplo, sobre a estrutura da Igreja católica apostólica romana, das principais verdades da fé, nem compreendem mais profundamente tudo o que diz respeito ao cristianismo. A maioria dos católicos deixa-se influenciar facilmente pelos meios de comunicação social que, muitas vezes, fazem questão de associar tudo que diz respeito à fé e à igreja ou religião com obscurantismo, dogmatismo etc.

Como defender o posicionamento moral da igreja sobre temas delicados numa homilia, em poucos minutos?

Por que não aproveitamos esses novos meios para divulgar o que temos de mais puro, verdadeiro e belo? Nossa liturgia é plena de símbolos, gestos e estímulos para os sentidos. Temos uma infinidade de santos e santas que escreveram e a maioria de suas obras é inacessível para a maior parte de clero e dos fiéis. Tudo, excetuando-se a participação nos sacramentos, pode ser difundido pelos meios digitais. Existe um universo a ser compartilhado.

Os padres devem, à medida do possível, entrar nas redes através do twitter, orkut, youtube, myspace, facebook, dos fóruns, dos chats e do correio eletrônico. O ideal é cada paróquia constituir uma rede com seus paroquianos, e que o padre possa estar em contato com eles via Internet, lembrando sempre que a interatividade e a rapidez são o sucesso das novas tecnologias.

A Internet deveria também ser um espaço de e-learning (educação à distância), uma vez que a catequese dos católicos é fraca. Poderiam ser oferecidos cursos bíblicos, cursos de liturgia, catecismo pela internet. Os sacerdotes deveriam com rapidez responder às dúvidas dos seus paroquianos, quando elas surgem. Se bem empregadas, as novas tecnologias sem dúvida ajudarão muito na pré-evangelização, dizemos pré-evangelização porque a evangelização, como nos ensina a Igreja, não se reduz apenas ao anúncio da Boa-Nova, mas deve conduzir à participação sacramental, principalmente da Eucaristia, que se apresenta como fonte e ápice de toda a evangelização.

Pe. Manoel Conceição Quinta, SSP

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